quinta-feira, 24 de junho de 2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Do avesso

Se tudo começou no avesso
Se do fim nasceu um começo
Se quando eu estava, você fugia
Se quando eu fugia, você ficava

Caída, você se esticava pra me dar a mão
Submerso, eu desesperada te procurava
De tanto procurar, perdi
De tanto gritar, não me fiz ouvir

Hoje, sigo calada, no avesso de mim
Esperando o recomeço de um fim
Porque algumas vidas são assim
O revés de um sim.

T.L. 21/06/10

Procurei um samba pra nós dois. Não encontrei.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Poema à boca fechada

"Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo."

José Saramago

quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme."

Fernando Pessoa [2-8-1933]